19/08/2020 - Pesquisa ajuda a entender o fenômeno da hibridização nas tartarugas marinhas ↓
A hibridização em tartarugas marinhas (isto é, o cruzamento entre espécies diferentes) é um fenômeno conhecido a aproximadamente um século ou mais. Híbridos interespecíficos notadamente mostram prevalência no Brasil e no sudoeste do Atlântico onde várias espécies compartilham áreas de alimentação e de desova e onde estudos desde os anos 90 tem encontrado híbridos. Recentemente há registros de híbridos na costa Pacífica da América do Sul.
Em um estudo de genética, mais de 40% das tartarugas-de-pente (Eretmochelys imbricata) amostradas pelos pesquisadores do Projeto Tamar/Fundação Pró-Tamar nas praias da Bahia foram identificadas como híbridos com tartaruga-cabeçuda (Caretta caretta) e numa proporção menor com tartarugas-oliva (Lepidochelys olivacea). Esta proporção é incrivelmente alta quando comparada com estudos de outras localidades que apresentam taxas em torno de 2%. Juvenis híbridos de tartarugas-cabeçuda com tartaruga-de-pente também têm sido registrados ao largo do Uruguai e Argentina. Outro estudo documentou híbridos entre tartarugas-cabeçuda e tartarugas-oliva em 27% da população que desova no estado de Sergipe, no Brasil. As causas para que o sudoeste do Atlântico seja um polo de hibridização não são completamente conhecidas, mas a influência antrópica é umas das hipóteses apresentadas. Embora a hibridização seja um fenômeno natural, é frequentemente induzida por uma perturbação. O comportamento humano tem interferido e criado um desequilíbrio nos habitats das tartarugas marinhas e nos seus ciclos de vida, em escala global e por um período prolongado. Portanto, estudos sobre a hibridização tem potencial para contribuir com informações para desenhar estratégias de conservação. Esta região da América do Sul é um campo de estudo ideal para isto.
Recentemente, a SWOT (The State of the World’s Sea Turtles) publicou uma entrevista com o especialista em tartarugas híbridas, Dr. Luciano Soares e Soares, pesquisador parceiro do Projeto Tamar/Fundação Pró-Tamar, para nos ajudar a entender melhor esse raro fenômeno. O Dr. Luciano Soares e Soares é pesquisador assistente do Programa de Nidificação de Tartarugas Marinhas / FWRI (Instituto de Pesquisa da Vida Selvagem da Flórida), e pesquisador assistente cedido do Departamento de Biologia da Universidade da Flórida. Durante seu doutorado na Universidade da Flórida, sua pesquisa se concentrou no estudo de híbridos de tartarugas marinhas no Brasil, em particular em sua ecologia, áreas de alimentação, características reprodutivas e padrões migratórios.
SWOT: As tartarugas marinhas híbridas são raras?
Luciano: Os híbridos de tartarugas marinhas são muito raros em todo o mundo, mas em algumas áreas de desova no Brasil há evidências de uma alta incidência de hibridização. Nos principais locais de desova do Brasil, onde há sobreposição de tartarugas-cabeçuda e as tartarugas-de-pente, bem como nas praias onde há tartarugas-oliva e as tartarugas-cabeçuda desovando, a amostragem genética mostrou sinais de hibridização em mais de 25% das fêmeas.
SWOT: O que se sabe sobre o comportamento dos híbridos? Com qual espécie parental é esperado que se comportem?
Luciano: Sabe-se muito pouco sobre o comportamento dos híbridos, justamente por serem raros. Estudos de telemetria de satélite mostraram que fêmeas híbridas de tartarugas-cabeçuda e tartarugas-de-pente viajaram para áreas de alimentação de tartarugas-cabeçuda (a linhagem materna destas híbridas). O mesmo tipo de comportamento (ligado a herança materna) também foi observado em híbridos juvenis de tartarugas-cabeçuda e tartaruga-de-pente, tartaruga-cabeçuda e tartaruga-oliva, e de híbridos de tartaruga-cabeçuda e tartaruga-verde (Chelonia mydas).
SWOT: Os híbridos podem se reproduzir? E o que isso significa para a espécie?
Luciano: Os híbridos de primeira geração já foram confirmados se reproduzindo no Brasil. O estudo analisou vários parâmetros reprodutivos, bem como a viabilidade de incubação, e mostrou que os híbridos não têm desvantagens reprodutivas em relação à espécie parental ou "pura". Não se sabe se os híbridos de segunda geração são capazes de se reproduzir. A hibridização em muitos táxons é conhecida por causar depressão por exogamia (isto é, diminuição da sobrevivência e / ou aptidão reprodutiva). Mas, por outro lado, a hibridização também pode levar ao vigor híbrido, onde os híbridos se beneficiam de fortes características de ambas as espécies parentais.
SWOT: Há algum problema de conservação específico para híbridos, e especificamente, para os híbridos de tartaruga-de-pente com tartaruga-verde?
Luciano: As questões específicas de conservação para híbridos estão relacionadas ao potencial reprodutivo e a aptidão nas gerações futuras. Em geral, os híbridos estão expostos às mesmas pressões de conservação que suas espécies parentais. Não creio que haja preocupações específicas para híbridos de tartarugas-de-pente com tartaruga-verde, visto que este evento de hibridização parece ser muito raro.
SWOT: Algum outro comentário ou perspectiva interessante?
Luciano: A hibridização entre espécies de tartarugas marinhas é rara, mal compreendida e provavelmente dependente de pressões antrópicas sobre as populações de nidificação. Muitos híbridos não apresentam um tipo morfológico misto que sugerisse hibridização, portanto, esse fenômeno pode estar subestimado. Para lançar mais luz sobre este fenômeno, estudos genéticos, incluindo análise de DNA nuclear (genes herdados dos dois pais), devem ser conduzidos em áreas onde diferentes espécies se sobrepõem, tanto temporalmente, quanto geograficamente.
Esta matéria é uma tradução da entrevista divulgada em 08 de julho de 2020 no site da SWOT. Confira a publicação original no link https://www.seaturtlestatus.org/articles/how-rare-are-hybrids
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